sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Música Original Brasileira - PopMob ou a mudança de paradigma na música brasileira

Quem acompanha nosso blog a mais tempo sabe de nossa jihaad para que a música verdadeiramente popular seja reconhecida como manifestação genuinamente popular. A maior parte da crítica cultural brasileira ainda a considera como lixo e se refere a ela de maneira jocosa. Prova disso é a batalha campal nas caixas de comentários de todas as postagens sobre Michel Teló nos grandes portais, na última semana. Felizmente alguns sinais de que essa percepção está mudando, já podem ser percebidos pelos mais atentos. Vou republicar aqui quatro textos de jornalistas que já estão mudando suas percepções e, na esteira, a percepção de seus leitores. Por último, um texto que escrevi a quase dois anos atrás, meio que prevendo tudo que está acontecendo agora.


Michel Teló exporta a sanfona de Luiz Gonzaga para o mundo


O ano de 2012 começa um tanto exaltado, mas rigorosamente igual a qualquer outro nas fronteiras do pop brasileiro. Como sempre, desde que a gente se conhece por gente, existe um onipresente hit musical do verão, que apaixona um pedaço apreciável da população e enche de indignação e desdém o pedaço que não faz parte do primeiro pedaço, mas nem por isso consegue fugir dos tentáculos do hit-chiclete da hora.

Aparecem também, feito siris saindo da toca, aqueles que se intrometem no debate acalorado para elogiar, de peito estufado, a própria ignorância pop: "Quem pode ser Michel Teló, se eu nunca ouvi nem falar desse nome?" (ãhã, Cláudia, senta lá...). Esses podem morrer negando, mas é certo que quem não mora numa ilha isolada (elas ainda existem?) já escutou a melô sanfonada e a letra-refrão animadíssima de "Ai Se Eu Te Pego". O pop não poupa ninguém, como dizia um inimigo público número um dos esnobes de outros verões, Humberto Gessinger, dos Engenheiros do Hawaii.

A avalanche deste verão é retumbante. Até o momento em que escrevo este texto, "Ai Se Eu Te Pego" já foi acessada quase 103 milhões de vezes via YouTube, e estou considerando apenas o videoclipe oficial da música. Nas redes sociais brasileiras, a nevasca já provocou outra (pequena) avalanche: a gostosa brincadeira de recordar pragas de verões passados.

"Eguinha Pocotó", "Macarena", "Melô do Tchan", "W/Brasil", "Dançando Lambada", "Mulher de Fases", "Fricote", "Adocica", "Anna Júlia", "Milla", "Tic Tic Tac (Bate Forte o Tambor)", "Você Não Soube Me Amar", "Tô Nem Aí", "Já Sei Namorar", "Dança do Créu", "Rebolation"... A lista é literalmente interminável. Desconfio que todo mundo gosta de pelo menos algumas das gomas de mascar citadas acima. É intrigante, a propósito, perceber como o asco de outros carnavais pode virar até sentimento de ternura 20 ou 30 verões mais tarde.

Pois então, a praga da hora é "Ai Se Eu Te Pego", e quer apostar quanto que quem morre de xingar Teló em 2012 vai se lembrar dele com alguma saudade lá por 2032? É um balé circular entre gerações e gerações e gerações, tediosamente repetitivo. O cara que se acha o tal por agredir como "lixo" o cantor da hora é o mesmo que resiste a ver, no espelho, algo caricatural em si próprio (o genial site "Indie ou Sertanejo???", criado não sei por quem, está aí para não me deixar mentir). No mais, será que todo ano a gente vai seguir fazendo para sempre tudo sempre igual?

Pode ser que sim, pode ser que não. A fábula de Teló soa tão velha quanto a da tartaruga e a lebre, mas há algumas peculiaridades pra lá de interessantes na versão 2012 do canto da carochinha.

Para começar, aqui no Brasil a avalanche dentro da avalanche foi amplificada pela revista "Forbes", que terminou 2011 atiçando o antigo e conhecidíssimo complexo brasileiro de viralatas. No final de dezembro, a ultradinheirista publicação norte-americana publicou a reportagem "Have you heard of Brazilian country music phenomenon Michel Teló yet? You will", que exaltava Michel, estimava que ele faturou US$ 18 milhões em 2011 e escancarava o alcance mundial de "Ai Se Eu Te Pego".

A letra e a coreografia comportadas & safadinhas começaram a se disseminar planeta afora por ação de jogadores de futebol como Neymar e Cristiano Ronaldo, que imitaram em campo a dancinha do Michel. Jovens dos quatro cantos do mundo redondo passaram da fase de tentar descobrir o que significava aquela história de "delícia, delícia, assim você me mata/ ai, se eu te pego, ai, ai, se eu te pego" para a de elaborar versões caseiras de YouTube em inglês, francês, italiano, grego, hebreu...

A dancinha de gestos eróticos algo pudicos vinha sendo parodiada há meses, mas muitos brasileiros noviços só concluíram agora que agora é hora de urrar de ódio por Teló. É de supor que sejam os mesmos que só descobriram sua existência por causa da atenção gringa, algo que se repete monotonamente no Brasil há uns 512 halloweens.

A vocação poliglota de "Ai Se Eu Te Pego" faz pensar em "Garota de Ipanema", a mais traduzida das canções brasileiras. Mundo virado: desta vez não é uma canção carioca nem praieira, mas sim interiorana, sertaneja. Poucos verões atrás, a carranca capitalista faminta por dinheiro piscava para Lady Gaga. Está piscando, neste exato instante, para um artista brasileiro de Medianeira, Paraná, que entre 1997 e 2009 foi vocalista do Grupo Tradição, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Ou seja, há novidades embutidas dentro do que, a princípio, pode parecer apenas mais do mesmo. A praga brasileira deste verão (ou inverno, conforme o endereço do freguês) não é brasileira, é planetária. (A propósito, a indústria jornalística tradicional daqui comeu mosca pela enésima vez, e só graças à "Forbes" ensaia acordar, a contragosto, para o fogo pop de Teló.)

O mundo anglo-saxão em que Roberto Carlos jamais conseguiu emplacar, talvez por soar banalmente não-brasileiro, desta vez caiu na lábia de um caubói genérico que poderia ter vindo do Arizona, mas veio do (não-)eixo Paraná-Pantanal. A música brasileira capaz de mover os quadris gringos desta vez não é do Rio de Janeiro nem da Bahia. Brotou do interiorzão de um país que é muito maior que sua (extensa) faixa litorânea.

Quem até ontem zombava do fiasco perpétuo da cultura brasileira diante dos olhos do chamado Primeiro Mundo hoje argumenta que Teló só faz sucesso "porque o Brasil como um todo está na moda", e não porque mereça. Ou seja, continua fazendo muxoxo, mas ao menos começa a admitir que, sim, o Bra$il está escandalosamente "na moda" lá fora.

Por aqui, enquanto um pedação do país se diverte com a frugalidade pop de Teló desde 2009, quando ele se lançou em carreira solo, um pedacinho bem menor (mas ainda barulhento) entra enfim numa crise de convivência com o próprio complexo de viralatas.

Ironia das ironias, quem lhes pregou essa peça foi um legítimo viralatas brasileiro, que encanta esportistas pan-europeus milionários, soldados israelenses no front, gatinhas & playboys franceses e assim por diante, todos dançando enfeitiçados ao ritmo de uma sanfona brasileira, para júbilo da memória do rei pernambucano da sanfona, Luiz Gonzaga (1912-1989). Por essas & outras, dá até para desconfiar que 2012 será diferente de todos os outros anos para o Brasil — e estamos apenas em janeiro.


Sertanejos universais


A reportagem sobre o cantor, compositor e acordeonista Michel Teló, publicada em ÉPOCA, causou repercussão. Houve manifestações ufanistas, mas muitos leitores escreveram à Redação para questionar a abordagem do texto, que afirmava que a música de Teló reflete os valores da cultura popular brasileira. Na revista e no resto da realidade, as reações ao som a um tempo dançante e sertanejo do cantor têm sido conflitantes. O público se divide entre um suposto coro dos contentes e a parcela crítica e intelectual dos consumidores de cultura. De um lado, exulta o público que frequenta festas e baladas, rebola e se diverte com músicas de Teló como “Ai, se eu te pego (assim você me mata)”. De outro, bradam com indignação os eternos baluartes do bom gosto, que gostariam de ouvir o mundo povoado de sambas, clássicos e a boa música popular brasileira – a tal MPB, termo que agora seria apropriadamente trocado por “samba universitário”. Trata-se do retorno meio burlesco do antigo debate em torno de cultura de massa, popular e erudita. Burlesco porque essa era uma discussão da década de 60 do século passado. Tais divisões caíram por terra, e tudo se converteu neste século em mercado e estratificação de gosto. Vou tentar demonstrar que o sertanejo universitário de Teló, Luan Santana e Gusttavo Lima possui tanta legitimidade quanto a congada paulista, a chula gaúcha, o choro e o samba de morro carioca, entre outras manifestações musicais... quer gostemos ou nem tanto.

A recepção negativa daquilo que chamávamos antigamente de “intelligenstia” (ninguém mais usa o datado termo russo) me remete a meados da década de 1990, quando apareceu o grupo É o Tchan – e, com ele, vários outros artistas do pagode baiano. As pessoas de gosto refinado viravam a cara para os requebrados de Carla Perez, e fechavam os ouvidos para o samba de roda praticado por É o Tchan. Examinados em perspectiva, percebemos que esses músicos praticavam cultura popular brasileira. Ou não era cultura?

Entendo o que o público sofisticado quer dizer. Como tantos outros, sou saudosista. Gosto de escrever em Times New Roman, como se fosse uma caligrafia minha, vício decorrente de minha teimosia em continuar a escrever à mão. Escrevo em Times New Roman assim como adoro povoar o meu jardim com sambas de Cartola, Chico Buarque, Brancura e Marçal. No dicionário da música, ainda estou na letra B: ouço Bach, Brahms, Berg, Beethoven. Bem entendido, é apenas o meu jardim. Por vezes ele é invadido por ruídos de máquinas e hits das baladas sertanejas hoje em moda, como foi antes tomado pelo funk, o pagode, o tecnobrega, o rock e o pop mais desqualificado. Não raro, essas músicas entram no meu quintal e acabo me divertindo com elas. Às vezes tudo o que eu sou obrigado a ouvir é “Eu te amo e open bar”, o novo sucesso de Michel de Teló. Eu não sou surdo. Não sou de aço.

Minha própria condição de jardineiro infiel me leva à dedução de que aquilo que o público sofisticado quer dizer não se coaduna com a realidade. Estamos na segunda década do século XXI. A expressão popular se alterou profundamente com a imensa quantidade de informação trazida pelas novas tecnologias, como a interconexão planetária imposta pela internet. O brega se juntou ao tecno, o samba ao funk, o forró ao eletrônico – e assim ad nauseam, numa inevitável corrente de acasalamentos artísticos, ideológicos (opa, mais uma palavra banida) e culturais. Vamos nos cingir ao caso do Brasil: uma nova classe média se alevanta, e com elas, seus valores mais queridos. A nova classe média antes respondia pelo gosto popular. Mas agora ela dá as cartas, tornou-se determinante (“mainstream” é o termo em voga) em ditar gosto, modos de vida e comportamento. Atitudes e palavras que talvez repugnem a elite, mas que nunca deixaram de fazer parte dos valores populares, e agora penetram insidiosamente nos hábitos e folguedos da classe dominante globalizada.

Essa promiscuidade do imaginário é o que músicos como Teló, Luan e Gusttavo Lima refletem e trazem à tona com força transformadora. Refrãos como o de “Balada boa”, gravada por Gusttavo Lima já são sucesso do verão e traduzem os vocabulário dos jovens nas baladas sertanejas, que viraram arenas de liberdade e sexo: "Gata, me liga, mais tarde tem balada, quero curtir com você na madrugada: dançar, pular, que hoje vai rolar o 'tchê tcherere tchê tchê’”. Gestos obscenos como os de “Ai, se eu te pego” são repetidos mundialmente, em versões as mais inusitadas. É repugnante - e irresistível.

Se examinadas mais a fundo, as escatologias dançantes e sonoras contêm elementos tradicionais e veneráveis. São emanações da cultura dos sertões brasileiros, agora compartilhadas pelo mundo todo. Luan Santana é sul-mato-grossense. Assim também Michel Teló, paranaense criado em Campo Grande. Gusttavo Lima é mineiro educado em Goiás. Paula Fernandes, mineira de Sete Lagoas radicada em São Paulo. Cada um deles a seu jeito e intensidade mistura folclore, música universitária e pop. Luan vem da tradição caipira. Gusttavo é fortemente influenciado pela axé-music da Bahia – por sua vez fundada nas batidas dos blocos afros de Salvador. Paula Fernandes se vale da toada e da modinha brasileira.


PORQUE EU AMO MICHEL TELÓ

EU NÃO OUVI NENHUMA MÚSICA DO CARA. NEM ESSA QUE TODO MUNDO OUVIU MILHÕES DE VEZES


...tipo o tecladista triste do Los Hermanos, que ficou com afliceta. Juro. Se ouvi, não notei. Mas eu amo o Michel Teló. Porquê? Exatamente por causa das reações que ele está causando. Eu lembro bem que achei extremamente engraçado quando, após anos e anos de sofrimento sonoro (sertanejo, axé, pagode), as pessoas se enfureceram contra... o FUNK CARIOCA. Logo o funk carioca, que tem uma origem nobre (via miami bass, via electro novaiorquino, via Kraftwerk, até chegar no Stocksausen que ajudou a moldar o krautrock na Alemanha do final dos anos 60).

Na época, eu saí em defesa do funk, que eu chamei de “punk dos pardos”, e do conceito de “ruim de ruim” (em oposição ao “ruim de bom” dos breganejos e seus ternos Armani). O que veio depois, com outras “apropriações tecnológicas pardas” como o tecnobrega, só reforçou minhas convicções. É precisamente essa a função da cultura pop: descobrir como mesclar os ingredientes disponíveis, e não “fingir” uma culinária gringa sem ter os ingredientes (como nosso pseudo-pop-rock-sem-culhões vexaminoso a la Capital Inicial fazia).

Ora, Teló, pelo nervo em que tocou, me dá a mesma sensação que tive quando da grita contra o funk carioca. Não só chegamos ao fundo do poço, como iniciamos o caminho de volta. Teló é um esboço do que interessa pra sociedade brasileira. O que NÃO interessa pra sociedade brasileira é Capital Inicial, é Jota Quest, essas expressões playboys de um mundo tal como é visto pelos brancos burros e indolentes. Um amigo meu argumentou, quando eu disse que necessário era destruir o Jota Quest, e não o Teló, que “no mundo do entretenimento não é preciso destruir ninguém; cabe Jota Quest, Teló e o Tchan”. E que ele deixa seus “anseios destrutivos para coisas mais sérias”.

Mas acontece que Jota Quest (com sua aparente irrelevância) é uma força do mal, não é entretenimento. AQUELA é a voz fanha da destruição. Aliás, a própria idéia de "entretenimento" é do mal também. Na real a trilha sonora dominante sustenta uma vaibe social. E eu não quero viver num país cuja trilha (playba) é Jota Quest. Isso sim me dá um puta medo. Tem os zumbis "sujos" do crack e os zumbis "limpos" que ouvem Jota Quest.

De certa forma o Teló "corrige" essa ecologia. A longo prazo, Teló (ou o que ele representa) diminiu a incidência de crackeiros e de playbas atropeladores de Porsche, porque harmoniza o país com ele mesmo, ao invés de tentar empulhar os ouvidos pardos carnavalizantes com porcarias brancas diluídas (o pior de dois mundos). Se é pra carnavalizar, vamos carnavalizar com desinibição e safadeza (e não “rasgando as roupas da empregada” – e nem era pra comer ela! –, como cantava o “psicopata” Dinho nos maus tempos). Não com broxice industrial de Fanta.

Um outro amigo meu, o Giron, me ensina (neste belo texto) que o Teló tem sua mestria, e não é um acidente de percurso: “Michel Teló merece mais atenção. Ele filho de gaúchos, começou a tocar gaita de 80 baixos aos 7 anos, fez parte durante oito anos do Grupo Tradição, de Campo Grande, e se notabilizou como virtuose da gaita – ou sanfona, como se diz em São Paulo. Ele elaborou um estilo peculiar de executar ritmos semifolclóricos, como o vanerão e o xote gaúchos (de ‘scottish’, dança escocesa comum nos fandangos sul-riograndenses do século XVIII, que mais tarde passaram a ser tocados no Nordeste brasileiro), fundindo-os com o baião e outros ritmos nordestinos. Teló me disse que gosta de chamar seu estilo de ‘pancadão sertanejo’. Dessa forma, ele realizou uma síntese das danças do Sul e do Nordeste do Brasil. E avança para novas ousadias. Seu último sucesso, ‘Eu te Amo e Open Bar’ introduz, de forma inusitada, a sanfona na música dançante eletrônica do século XXI. Basta reparar como Teló se vale de refrãos de sanfona em meio ao batidão)”. Tirante eu não entender porque uma música se chamaria “Eu te Amo e Open Bar” (?), a clareza e a pertinência da operação são cristalinas. Como é cristalino o meu amigo Timpin Pinto ao afirmar que a simbologia pop da sanfona está para a xoxota assim como a da guitarra está para o pau.

Vamos falar mais claro. Teló está fazendo na música pop brasileira a revolução que George Lucas fez quando estudou Joseph Campbell, pra aplicar o desenho mitológico da jornada do herói ao cinema de ficção científica. (O que, de resto, é o que a cultura pop de gênero – terror, fantasia, fc, policial, artes marciais etc – faz o tempo todo: estabelecer e cristalizar os roteiros arquetípicos na forma das “regras” do gênero em questão.) Se antes dessa operação George Lucas, em seu filme de estréia, THX 1138, era apenas um jovem cineasta promissor mas um tanto pedante, com um pé no existencialismo pop do cinema anos 70, depois de Star Wars ele tomou o poder na indústria, não falando “contraculturalmente”, mas invadindo e reinventando o mainstream em si.

Assim sendo, Teló é o Luiz Gonzaga de verdade (porque é pós-regional). Ou a fusão entre a “invasão” Luiz Gonzaga e a estratégia antropofágica (tropicalista, manguebeat etc). Uma jogada yin-yang, bunda e mente, desinibição e estratégia. Porque ele não tem nenhum purismo em relação à apropriação das tecnologias (eu só posso saudar um cara que abandona um grupo chamado “Tradição” – já que purismo é a outra lorota que a ex-inteligentzia branca usa para negar e frear o processo cultural pop). Porque Teló inverteu a lógica de travar a batalha simbólica na sua base: está travando a batalha simbólica (e memética) no mundo. Mais detalhes em outra boa matéria, do meu amigo Pedro Alexandre Sanches.

Se tem uma coisa que deixa o brasileiro branco burro indolente indignado é quando a parte parda do Brasil que ele repudia (porque ameaça sua “autoridade” preguiçosa de capitania hereditária) se comunica diretamente com o resto do universo – como o funk carioca fez com a música eletrônica. Jamais vou esquecer a cena de um roqueiro do Dr. Sin arremessando minhas coletâneas européias de funk carioca no chão (!), sem conseguir controlar sua fúria.

É esse "chilique branco” que desperta nos pretensos defensores da "música de qualidade" que me leva a crer que Teló só pode estar certo. Eu amo Michel Teló; qualquer hora vou até ouvi-lo.


Vira-lata, um complexo


Foi na década de 1950, e por causa do futebol, que Nelson Rodrigues falou que o brasileiro sentia um tremendo complexo de vira-lata. A causa era a derrota da seleção para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950. A volta por cima veio com a vitória bela e histórica em 1958 (e em 1962 e 1970). Entre uma Copa e outra, o brasileiro se escondia pelos cantos, envergonhado da própria existência, "um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem". Mas é claro que essas taças, e as outras duas que vieram depois, não curaram um complexo anterior e tão arraigado nas elites e classe média, e o ufanismo vazio e truculento dos militares também não ajudou muito. E assim muitas pessoas continuaram se lamentando aos berros que viviam num "país subdesenvolvido de merda", com um "povinho de merda". Bom mesmo é lá fora, povo educado, transporte público de qualidade, mil anos de história e os parques, que parques.

O crescimento econômico dos últimos dez anos criou uma nova classe média, mais dinheiro começou a entrar para mais gente que não os de sempre, e o Brasil passou a ser reconhecido internacionalmente para além de Carmen Miranda, Pelé e carnaval. Sem falar que receberemos uma nova Copa e a primeira edição das Olimpíadas na América do Sul, isto é, muito trabalho pela frente. Enfim, outros orgulhos foram tomando corpo a partir dessa, digamos assim, nova condição, essa nova ordem mundial. Mas não tem jeito, a manada dos descontentes segue na mesma toada de rejeição a tudo que for nosso, mestiço, fora do eixo.
Claro que não estou falando aqui de uma "obrigação de orgulho" ou um "agora, vai!", muito pelo contrário, afinal o país continua radicalmente desigual e nossas políticas federais, estaduais, municipais e pessoais seguem viciadas em falsa cordialidade e toma lá, dá cá dos tempos da vovozinha. Ou como escreveu Caetano Veloso para Gal Costa cantar: "Neguinho quer justiça e harmonia para se possível todo mundo / Mas a neurose de neguinho vem e estraga tudo". Estou falando aqui, e cito palavras do colega James Cimino, de que é preciso "construir um orgulho que não precise de slogan". Um orgulho que seja realista e construído diariamente, sem bandeiras, só vivência.

Lembrei novamente dessas vira-latices nacionais porque recentemente o cantor Michel Teló virou motivo de guerra virtual após o fenômeno de seu sucesso nacional e internacional virar capa da revista Época. Não vou tratar desse assunto aqui — colegas jornalistas como Alex Antunes, Luis Antônio Giron e o companheiro de Yahoo!, Pedro Alexandre Sanches, já o fizeram com maestria — porque o que me deixou mais uma vez intrigado foi a repulsa sobre uma das teses da reportagem: Teló reflete os valores da cultura popular brasileira. "Não, não e não, que absurdo", diziam batendo pé no chão e prendendo respiração. Era o bom e velho complexo de vira-lata em mais uma manifestação 2.0 (no ano passado, A Banda Mais Bonita da Cidade sentiu esse gostinho com as reações ao clipe de "Oração" e escrevi sobre isso na coluna "A banda mais coisinha-bebê do Brasil").

É como se o Brasil fosse um quintal a ser explorado para conseguir uma graninha e se mudar para algum lugar da Europa, aquilo sim que é terra de gente, pensam os vira-latas. É como se orgulho — que é muito diferente de patriotismo — fosse falta de visão crítica. Muito diferente disso pensa Timpin Pinto, um cara que só não é do Nordeste ou do Norte porque nasceu no Rio Grande do Sul e mora em Curitiba. Dia desses ele soltou, no seu jeito apaixonado e hiperbólico de sempre, que "seremos o novo Império Cultural e que nosso Império será hedonista, lúdico, matriarcal e dionisíaco". Não iria tão longe nessa animação toda, principalmente sobre a parte do Império, mas tenho certeza que enquanto ainda aprendemos como ser Nação e sociedade, e isso é aprendizado sem fim, podemos ensinar muito mais do que julga nossa vã vira-latice.


Yes, we can!!!


Fábio Dorneles e André Forastieri não se conhecem, não tomam cerveja juntos, mas cada um à sua maneira expressaram insights parecidos em recentes posts nos seus blogs. Fabio Dorneles comentou sobre como Victor & Leo infiltraram-se no repertório de cantores de barzinhos MPB e abriram caminho para a música sertaneja. Andre Forastieri desceu o sarrafo na nova moda folk, composta por nomes como Malu Magalhães e Vanguart.
Vou fazer a ponte entre os textos e aprofundar um pouco a questão.

Uma coisa que sempre me intrigou e me revoltou é o fato de que o povo da MPB só valoriza regionalismos de raiz, ignorando os galhos de ricas folhas verdes e floridos da musica brasileira. Em termos de forró, Mestre Ambrósio “pode”, mas Limão com Mel “não pode”. Em termos de música gaúcha, Renato Borgheti “pode”, mas Balanço do Tchê “não pode”. Na música sertaneja, Renato Teixeira “pode”, mas Bruno & Marrone “não pode”.

Enquanto chafurda numa catatonia criativa que já dura décadas e recicla pela enésima vez a bossa nova, a MPB transformou-se algo chato, enfadonho e ensimesmado. Via de regra uma música escutada por pessoas chatas, enfadonhas e ensimesmadas. As pessoas que se acham cultas. Aqui no Brasil, pessoas cultas não escutam músicas que o povão escuta. “Deus me livre, aquela música vulgar, aquilo não é cultura!”

Porque isso ocorre?

A resposta pode ser encontrada na maneira como esse país foi construído e na forma com que nossas elites culturais se formaram. Ao contrário dos ingleses, que partiram para a América no intuito de construir uma nação, nosso país sempre foi tratado como uma colônia e a mente da elite cultural que nasceu aqui sempre esteve voltada para a Europa. Essa postura cimentou-se no inconsciente coletivo nacional e perdura até os dias de hoje.

Somente o que vem de fora ou que conta com o aval do que vem de fora tem valor. A bossa nova foi aceita porque acrescentou jazz ao samba, a tropicália porque acrescentou rock à musica baiana.

Os americanos, pelo contrário, sempre valorizaram o que era produzido em seu quintal. O jazz, o country, o blues. Popularizaram o termo folk para designar sua musica folclórica. Essa valorização permitiu sua evolução e eles criaram o rock, a música pop como a conhecemos e o hip hop.

A nossa elite cultural só valoriza sua música folclórica em termos acadêmicos, como objeto de estudo.A música popular brasileira, que de popular nunca teve nada, só incopora as influências regionais que eram tocadas lá longe no tempo, como se a distância temporal fosse sinônimo de autenticidade.

Só que à semelhança dos americanos, apesar de não valorizado, temos sim nosso folk. E como temos! E nosso folk é muito mais rico, diversificado e qualificado que o folk americano. Vou listar aqui as vertentes de nosso folk, de norte a sul: tecnomelody, brega, calypso, forró, axé, pagode baiano, arrocha, sertanejo, lambadão, pagode paulista, funk carioca, vaneira. Provalmente ficou coisa de fora.

Essas vertentes são ORIGINALMENTE brasileiras. Essas vertentes são VERDADEIRAMENTE populares. Essas vertentes são SOLENEMENTE ignoradas pelos artistas que dizem que tocam música popular brasileira. Por isso eu não reconheço o rótulo MPB. Por isso eu costumo me referir ao conjunto formado por todas essas vertentes como Musica Original Brasileira, ou POPMOB.

Até porque, por mais diversificadas que sejam essas vertentes, as facilidades proporcionadas pelas mídias digitais estão fazendo com que o diálogo entre elas seja cada vez mais intenso. Cada vez mais existem pessoas no Rio Grande do Sul escutando arrocha, em Goiás escutando forró, na Paraíba escutando funk.

Acredito no POPMOB como um novo e forte movimento, porque essas vertentes se deram bem no novo cenário que se impôs com as novas mídias e a inevitável pirataria. O pop rock e a mpb não souberam lidar com a pirataria e uma geração inteira cresceu sem escutar pop rock e mpb: a Geração POPMOB.

Essa geração é bem mais esperta, descolada e legal que a anterior. Quem escuta pop rock ou mpb não escuta sertanejo ou axé ou forró. No entanto, quem escuta sertanejo escuta também rock e mpb. No problems. A Geração POPMOB está sendo construída com bem menos preconceitos culturais que a antiga. Finalmente parece que, agora sim, o Brasil dá sinais de ser o país do futuro. Porque não criarmos, então, a música do futuro?

Sim, a Geração POPMOB pode.

3 comentários:

Vou te dizer o que acontece. Não sou petralha, mas o que chamam de PIG realmente existe. Existe sim um acordo entre grandes grupos de mídia nacional em manterem seu domínio e são realmente os grandes responsáveis pela deisigualde no nosso país. Se formos estudar mais à fundo veremos que as grandes oligarquias desse país se criaram e se mantem com o forte apoio dessas mídias. A Rede Globo mantem sua dominação sobre o páis, pautada em um tripé: Novela, futebol e carnaval/samba. Pode estar certo de que tudo o que ameace esse tripé ao qual ela se mantem, será de alguma forma atacado. E é por esse motivo que a música Sertaneja principalmente vem sendo tão discriminada. A difusão da internet tem pressionado muito esses grupos e vai pressionar cada vez mais. Televisão é ditadura, internet é democracia. A música Sertaneja sempre foi a mais popular do país, mas agora com a internet não tem mais como se esconder isso como sempre se fez. E a Globo está se mexendo no exterior passando shows de MPB e Samba em seu canal internacional. Uma clara movimentação para impedir que no exterior as pessoas tenha a noção de que o Brasil é um país sertanejo e interiorano. Digo e repito a REDE GLOBO MANTÉM SUA AUDIENCIA E PODER ECONÔMICO NO TRIPÉ: FUTEBOL, NOVELAS E CARNAVAL/SAMBA. Só o enorme número de jogadores que hoje são muito mais adeptos do Sertanejo e do Forró já é um golpe tremendo na rede globo. Cada vez que o Neymar aparece numa balada sertaneja alguem se revira na Rede Globo. Precisamo explorar essa relação de jogadores sertanjos com a música sertaneja, mostrando cada vez mais jogadores em baladas sertanejas.

Claro que isso aqui é uma resposta a expanção da música sertaneja e do michel teló no exterior bem como outros artistas sertanejos que já planejam carreira internacional. http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2012/01/02/globo-promove-%E2%80%9Cfestival-diogo-nogueira%E2%80%9D/

nada haver oque esse cara falou sobre a globo;

o sertanejo chegou onde chegou hoje por causa da som livre/tv globo

a gravadora da globo foi a que mais investiu no ritmo.

hoje o cast da gravadora tem os maiores artistas do gênero.

mas tem gente que não enxerga as coisas e sai por ai dizendo besteira.

as centenas de dvd´s de sertanejo lançados pela som livre e agressivamente divulgados em programas , comerciais e novelas da globo, fizeram com que o sertanejo crescesse chegando ao que é hoje!!!!

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