sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Sobre o preconceito que o Tecnomelody sofre por parte das elites do Pará

Esse texto foi publicado originalmente na edição de dessa terça-feira (24/08/2010) do jornal paraense O Liberal.



O debate que se formou em torno da aprovação do projeto de lei que transforma o tecnomelody em patrimônio cultural do estado do Pará é a prova de que em termos culturais vivemos em dois países dentro de um só. O primeiro Brasil é aquele que sabe o que é arte e cultura e o segundo não se importa se o que faz e consome é arte e cultura.

O segundo Brasil não sabe que o primeiro existe, ao passo que o primeiro gostaria que o segundo não existisse.

Que ninguém se engane, debaixo da argumentação contra a poluição sonora causada pelas aparelhagens, vendedores ambulantes e apreciadores de tecnomelody existe um subtexto bem claro: o preconceito contra manifestações culturais produzidas de baixo pra cima na pirâmide social.

Uma dos principais esforços para imperdir que o tecnomelody seja reconhecido como cultura popular é empreendido pela Associação Amigos do Silêncio, na pessoa da advogada Rejane Bastos. Em maio, quando o projeto de lei esteve em votação na Assembléia Legislativa, ela publicou na imprensa uma carta indignada que transborda preconceito de classe a cada frase infeliz.

Logo no segundo parágrafo ela pede licença para emitir sua opinião pessoal e declara que acha "...um desrespeito ao povo paraense, em geral, ter sua imagem associada ao tecnobrega, ritmo tão ruim quanto o funk e o axé". Trata-se do velho maniqueismo de nossas elites, que acha-se no direito de definir o que é bom, o que é o ruim e o que o povo deve consumir. E também, naturalmente, o lamento pela perda do poder do monopólio da emissão de bens culturais. Agora é o povo que decide o que quer consumir.

Mais pra frente afirma que o próprio nome do ritmo é um "desrespeito ao brega clássico dos excelentes Wando, Reginaldo Rossi e Odair José". Quer dizer que a distância do tempo necessariamente qualifica uma obra? Os historiadores costumam dizer que quando um produto da cultura popular perde o vigor, passa a ser apreciado pelos especialistas. Tudo o que é morto é inofensivo. E o tecnomelody está bem vivo, daí o incômodo.

Outro argumento que os detratores do movimento costumam usar é o ritmo estimula a baderna e o distúrbio da ordem social.

Engraçado. O Carimbó é atualmente considerado a manifestação cultural paraense por exelência. Ocorre que no final do século XIX ele era proibido de ser tocado, sob a argumentação de que os batuques e os versos gritados estimulavam - veja só - a baderna e o distúrbio.

Mas o ponto alto e mais emblemático da carta da Dra. Rejane Bastos é quando ela afirma que a verdadeira Belém é a "que ainda se vê nos casarões conservados, que dão uma pálida idéia do altíssimo nível das raizes do nosso povo". Nessa frase a advogada revela quem ela representa. Ela representa uma elite que - como diz o jornalista paraense Vladimir cunha - não gosta de ser ligada ao índio, ao negro, ao povo ribeirinho, ao morador da periferia. Uma elite que nega seus traços índios, pinta o cabelo de loiro, sonha em morar em condomínios fechados, passar frio, usar casaco.

Para essa gente, o tecnomelody lhe faz lembrar que ao redor das ilhas de conforto que ela ergueu, e nas quais perpetua a sua ilusão de embranquecimento e de pertencimento a uma realidade que não pode ser replicada numa cidade pobre e caótica como Belém, existe uma gente "feia", de pele escura, "mal-educada", "mal-vestida" e que ouve essa música dura, sexual, rude e que fere os ouvidos.

Uma coisa no entanto deve aqui ficar clara. Não se trata de defender a institucionalização do tecnomelody como cultura. O tecnomelody não precisa disso, ele aprendeu a se virar sozinho. Quando o colunista do jornal que cedeu seu espaço à publicação da carta da Dra. Rejane - um Diogo Mainardi sem o dom - pelo tom de sua retórica esperava uma resposta. Ela demorou um pouco, mas aí está.

8 comentários:

Porra Timpin! Tu bateu seguro veio! "o lamento pela perda do poder do monopólio da emissão de bens culturais." Perfeito!
E ainda desce mais essa: "Os historiadores costumam dizer que quando um produto da cultura popular perde o vigor, passa a ser apreciado pelos especialistas". É por isso que Geraldo Teixeira é cultura, mas não Bruno e Marrone, João Bosco e Vinicius, Vitor e Léo, etc (ops, esses são, afinal tão na Globo). Alcione é cultura, mas Os travessos e Sorriso Maroto não são... Dominguinhos é cultura, mas Aviões, Cavaleiros, Forró do Muído não são... ô raça!

Não se pode misturar as coisas, o Tecnomelody tem seu valor, isso está mais do que óbvio, mas o problema da poluição sonora é sério e suas consequências na queda da qualidade de vida são reais. Importante tratar a questão cultural não somente como especulação teórica mas também relevar suas consequências no cenário que ocupa.

Grande abraço

Engraçado a dez anos atras antes de surgir o tecnobrega o que ensurdecia os paraenses era o axe, e ninguem falava nada, é triste ver o preconceito social e cultural tao escrachado nas veias de pessoas como esta advogada que estudou e conhece ou deveria conhecer a questao social e cultural de Belem, sou contra o barulho e afavor do bom senso na hora de escutar uma musica seja qual estilo for,porem fico indignada com tanto preconceito.
A questao e de educaçao nao do tecnobrega.
Rita Santos paraense,estudante de Serviço Social, amante de todos os tipos de musica, principalmente os que fazem parte da cultura paranse.

AChei que o final ia ser feliz... foi hilario!!!!

Parabens tche!

fnordAi-lt
onjr

Concordo com o Pio. Respeito o ritmo mas vejo absurdos nas festas e a poluicao sonora nao deve ser encarada como parte da manifestacao.

Aprovado projeto de lei que o torna o tecnomelody patrimônio cultural do Pará!!!! uhuuuuuu!!!! 03/03/2011. ;)

Acho engraçado como as pessoas são, falam as coisas sem saber o que estão falando, ninguém é obrigado a conviver com barulho ensurdecedor a noite inteira, trabalhar a semana inteira e no final de semana todo um bando de gente desocupada sem ter o que fazer a semana toda ficar com som alto ou aparelhagem na frente da casa da gente enchendo o saco. Pelo amor de deus, vamos deixar de ser hipócritas por favor. Ninguém está questionando a música, cada um pouve a porcaria que quiser ouvir, dane-se o seu ouvido agora aguentar a altura em que se colca essas músicas pra se ouvir, há isso é demais... E outra este tal de tecnomelody só faz sucesso aqui mesmo, por que lá fora ninguém nunca ouviu falar, tanto que tem os que se dizem cantores que saem daqui pra tentar lá fora e voltam, pois é uma coisa muito chata, só plágio e nada mais, sem contar que festas de aparelhagens só traz, violência, roubos, brigas, drogas e demais porcarias que puder. Pelo amor de Deus espero que nunca isso seja trasnformado em patrimônio Cultural. Fala sério, ninguém merece....

Faz assim velho, vem almoçar aqui em casa, depois eu te dou uma rede, aí tu tenta dormir de tarde com uns vizinhos que eu tenho que ficam ouvindo tudo quanto é tipo de porcaria de música a tarde inteira.
Que fique claro: sou músico, já toquei em várias bandas, tdos os estilos, até novena... mas desenvolvi uma raiva de tanto que sou perturbado.

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